OPUSCULOS ROMANTICOS
II
AS NOITES DO ASCETA
POR
ALBERTO PIMENTEL
LISBOA
Empreza Editora, Carvalho & C.ª
RUA LARGA DE S. ROQUE, 100, 1.º
1876
AS NOITES DO ASCETA
POR
Alberto Pimentel
LISBOA
Empreza Editora, Carvalho & C.ª
RUA LARGA DE S. ROQUE, 100, 1.º
1876
Typ. de J. C. Almeida, Rua da Vinha,65—Lisboa.
a
Jacintho Maria Rodrigues
Oh, que viesse o que não crê, comigo,
Á vecejante Arrabida, de noite,
E se assentasse aqui sobre estas fragas,
Escutando o sussurro incerto e triste
Das movediças ramas, que povoa
De saudade e amor nocturna brisa;
Que visse a lua, o espaço oppresso de astros,
E ouvisse o mar soando:—Elle chorára
Qual eu chorei.........................
Alexandre Herculano—A Harpa do Crente.
«Ajuntava a esta abstinencia (Frei Agostinho da Cruz) as muitas vigilias, ásperas disciplinas, em que se exercitava, e outras mortificações, que elle depositou no archivo do silencio, e só nos deixou as inferencias, de que eram muito esquisitas.»
Frei Antonio da Piedade—Espelho de penitentes e chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida. Tomo I, part. I, liv. V.
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Eram aquelles os tempos do Amor.
Por toda a parte o coração era a mais fecunda, a mais vivida, a maiscompleta manifestação da Vida. A humanidade entrára no idyllico periodo da suaprimavera. As flores do sentimento brotavam candidas e perfumadas sob os pés daMulher deificada pela adoração. Deus estava no ceu e a Mulher na terra. A mesmareligião absorvia e confundia estas duas grandes individualidades mysteriosas,porque Deus fôra gerado no ventre da Mulher virgem. Pois que o amor divino selibrava puro, austero, immaculado, o amor terreno procurava igualal-o pelacandura das suas intenções. O seculo XIV, um dos mais famosos seculos do grandecyclo amoroso, vê um rei de Inglaterra curvar-se para levantar a fina liga deseda da condessa de Salisbury, e ouve a legendaria imprecação do rei aosmaliciosos cortezãos cujo riso envenenava esse extremo de galanteria{8} palaciana. E é d'essa pequena fita, acolchetada poresmaltadas fivelas de oiro, que o rei namorado quer fazer o mais ambicionado, omais nobre, o mais difficil galardão cavalheiresco:—a jarreteira azul. O mesmoseculo vê um rei portuguez realisar á beira do Mondego o mais ardente elacrimoso idyllio da tradição amorosa nacional, e, para